Análise da combinação de instrumentos das políticas urbana e ambiental
processos contemporâneos de estruturação do espaço urbano-metropolitano
Palavras-chave:
política ambiental, política urbana, infraestrutura urbana, governança metropolitana, combinação de instrumentosResumo
Título: Análise da combinação de instrumentos das políticas urbana e ambiental: processos contemporâneos de estruturação do espaço urbano-metropolitano
Resumo Simples:
Esse trabalho é parte de pesquisa em andamento de mestrado em planejamento urbano e regional que tem como marco teórico a ecologia política urbana. O objeto empírico da pesquisa é a infraestrutura de transportes que desempenha função comum nas metrópoles brasileiras a partir de seus processos reguladores e manifestações geográficas. O objetivo deste trabalho é caracterizar e avaliar a combinação de instrumentos das políticas urbana e ambiental, bem como sua interação no atendimento aos objetivos colocados por essas políticas públicas com relação à qualidade ambiental da evolução da ocupação urbana. Para tal, utiliza-se do marco teórico-metodológico do conceito ampliado de “policy mix”, elaborado por Rogge e Reichhardt para pesquisas em transições em sustentabilidade, com foco no bloco de elementos avaliado a partir das dimensões setorial, nível de governança, geográfica e temporal. Essa avaliação será operacionalizada por meio da análise documental da legislação ambiental e urbana somada a análise dos processos de planejamento metropolitano da mobilidade fluminense. Espera-se caracterizar a interação entre EIA e PDUI e testar a hipótese de que ambos os instrumentos são complementares e capazes de desempenhar, de forma multiescalar, a mesma função do Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança na aproximação de cenários de futuro urbano.
Resumo expandido:
Esse trabalho é parte da pesquisa em andamento de uma dissertação de mestrado em planejamento urbano e regional. Seu objetivo geral é compreender os processos de planejamento contemporâneos de estruturação do espaço urbano-metropolitano e suas consequências ambientais sobre o território como função da infraestrutura de transportes. O core teórico da pesquisa é a ecologia política urbana que fornece “uma abordagem relacional que contribui para a análise de processos econômicos, políticos, sociais e ecológicos interconectados que, juntos, formam paisagens urbanas profundamente injustas e desiguais” (SWYNGEDOUW; HEYNEN, 2003, p. 898, tradução nossa). Para elaborar esse raciocínio no sentido do desenho das políticas públicas urbana e ambiental, este trabalho trata principalmente da “estrutura lógica dos desenhos e a transformação das configurações de elementos ao longo do tempo”, delimitados pela sessão temática.
A análise concentra-se na interação entre os instrumentos de “planejamento das regiões metropolitanas” e no “estudo prévio de impacto ambiental” (EIA). Argumento, aqui, que o EIA é a variante multiescalar do “estudo prévio de impacto de vizinhança” (EIV) desde o ponto de vista da Política Urbana. Eles estão discriminados na Lei nº 10.257/2001, Estatuto da Cidade, que regulamenta a Política Urbana, cap. II da Constituição, e são regidos por legislação própria. O planejamento de regiões metropolitanas é regulamentado pela lei nº 13.089/2015 (Art. 4º, II), Estatuto da Metrópole, que estabelece “diretrizes gerais para o planejamento, a gestão e a execução das funções públicas de interesse comum” (FPIC). Essas estão no centro da investigação e são definidas no Estatuto como “política pública ou ação nela inserida cuja realização por parte de um Município, isoladamente, seja inviável ou cause impacto em Municípios limítrofes”. Tais funções são o fato motivador das regiões metropolitanas e objeto do instrumento “plano de desenvolvimento urbano integrado” (PDUI).
O objeto empírico da pesquisa é a infraestrutura de transportes que desempenha função comum nas metrópoles brasileiras, bem como seus processos reguladores e manifestações geográficas (SANTOS; SILVEIRA, 2006). Embora o EIA seja objeto de domínio da literatura das ciências biológicas associado ao licenciamento ambiental, ele é um instrumento para análise de cenários futuros urbanos sem efeito sobre o processo de tomada de decisão no Brasil (TURCO; GALLARDO, 2018). O instrumento é regulamentado pela Resolução Conama nº 1/1986, de acordo com os objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente, Lei nº 6.938/1981, mas está localizado em duas dimensões setoriais: a ambiental e a urbana.
Por essa razão, o objetivo específico deste trabalho é descrever e examinar a combinação de instrumentos das políticas urbana e ambiental e sua interação no atendimento aos objetivos colocados por essas políticas públicas com relação à qualidade ambiental em função do papel desempenhado pela infraestrutura de transporte comum (FPIC) na evolução da ocupação urbana contemporânea. Este trabalho contribui, então, para suprir uma lacuna de estudos dedicados às “ações de âmbito regional [que] interferem nas cidades [com elevado grau de metropolização] a partir dos impactos sociais e ambientais que recaem sobre os espaços urbanos e seus usuários” (TAVARES, 2016, p. 691).
Para isso, são utilizados os recursos teórico-metodológicos sugeridos por Rogge e Reichardt (2016) na definição de “policy mix” orientada àqueles que adotam a perspectiva do “policy design” e trabalham com “sustainability transitions”, nosso caso. Segundo as autoras, o policy mix se refere, no contexto de transições de sustentabilidade, à “combination of the three building blocks: elements, processes and characteristics, which can be specified using different dimensions” (2016, p.1622). Tais insumos foram identificados em processo contínuo de revisão exploratória da literatura buscando operacionalizar a pesquisa.
Essa operacionalização ocorre pela análise documental do conteúdo das políticas, da legislação e dos planos que dela decorrem. A esse material, adiciono a análise do conteúdo das audiências públicas de revisão do plano de mobilidade metropolitano fluminense e da participação em comitê de acompanhamento do plano de mobilidade de um município na unidade metropolitana. Tomo como unidade espacial a macrorregião leste do PEDUI-RMRJ, equilibrando federalismo e a geografia escalar da interação dos instrumentos analisados. Sigo o seguinte procedimento: sumarizo os aspectos pertinentes das políticas ambiental e urbana; os descrevo e avalio quanto aos objetivos, tipo, propósito, aspectos de desenho. Igualmente, descrevo e avalio as estratégias das políticas quanto aos objetivos e planos e, por último, examino os desdobramentos espaço-temporais contemporâneos da regulação.
Rogge e Reichhardt (2016, p. 1625) conceituam “instrument mix” como parte do “policy mix”, uma combinação mais ampla. Segundo elas, a interação e a capacidade de influência entre instrumentos são conceitualmente centrais, condicionantes dos objetivos da política. Para as autoras, é necessário considerar o “contexto particular no qual as interações ocorrem” por meio da análise empírica para reduzir os riscos de conclusões equivocadas. Tanto elas, quanto Capano e Howlett (2020) apontam que os estudos que se autodenominam “policy mix” são, frequentemente, sobre instrumentos.
Por ser necessário calibrar adequadamente o escopo da dissertação, este trabalho é - objetivamente - uma análise de “instrument mix”, restrito aos building blocks “elementos” e “características” (ROGGE; REICHARDT, 2016, p. 1623, 1625) nas quatro dimensões propostas e aplicáveis aos blocks: setorial, nível de governança - vertical ou horizontal -, geográfica e temporal. Aqui, entretanto, adapto a dimensão geográfica, com considerações sobre espaço e território (SANTOS, 2017) e acrescento a dimensão escalar (BRENNER, 2004, 2013), dispositivos escalares (HOSHINO; MOURA, 2019) e intencionalidade (PULIDO, 2000). Assim, busco entender os mecanismos e consequências da interação das políticas e de seus instrumentos, considerando: o escopo dos instrumentos em interação, a natureza dos seus objetivos, seus processos implementação, a interação dos mesmos instrumentos em diferentes dimensões.
Cabe esclarecer, finalmente, que nem este trabalho, nem a dissertação a qual ele dá suporte, têm a intenção de analisar o “building block” de processos (ROGGE; REICHARDT, 2016, p. 1625). Para tal, o trabalho se apoia em fontes secundárias da farta literatura sobre este aspecto específico: para a questão metropolitana, no trabalho de Hoshino e Moura (2019), em relação à análise de política ambiental, nos baseamos em Suely Araújo (2015) e para relação entre federalismo e desigualdade territorial, em Marta Arretche (2010).
Referências:
ARAÚJO, Suely. Legislação brasileira sobre meio ambiente: fundamentos constitucionais e legais. Brasília: Edições Câmara, 2015.
ARRETCHE, M. Federalismo e igualdade territorial: uma contradição em termos? Dados, v. 53, p. 587–620, 2010.
BRENNER, N. New state spaces: urban governance and the rescaling of statehood. Oxford New York: Oxford University Press, 2004.
BRENNER, N. Reestruturação, reescalonamento e a questão urbana. GEOUSP Espaço e Tempo (Online), v. 17, n. 1, p. 198–220, 30 abr. 2013.
CAPANO, G.; HOWLETT, M. The Knowns and Unknowns of Policy Instrument Analysis: Policy Tools and the Current Research Agenda on Policy Mixes. SAGE Open, v. 10, n. 1, p. 2158244019900568, 1 jan. 2020.
HOSHINO, T. DE A. P.; MOURA, R. Politizando as escalas urbanas: jurisdição, território e governança no Estatuto da Metrópole. Cadernos Metrópole, v. 21, n. 45, p. 371–392, 8 jun. 2019.
PULIDO, L. Rethinking Environmental Racism: White Privilege and Urban Development in Southern California. Annals of the Association of American Geographers, v. 90, n. 1, p. 12–40, mar. 2000.
ROGGE, K. S.; REICHARDT, K. Policy mixes for sustainability transitions: An extended concept and framework for analysis. Research Policy, v. 45, n. 8, p. 1620–1635, 1 out. 2016.
SANTOS, M. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2017.
SWYNGEDOUW, E.; HEYNEN, N. C. Urban Political Ecology, Justice and the Politics of Scale. Antipode, v. 35, n. 5, p. 898–918, nov. 2003.
TAVARES, J. C. Eixos: novo paradigma do planejamento regional? Os eixos de infraestrutura nos PPA´s nacionais, na Iirsa e na macrometrópole paulista. Cadernos Metrópole, v. 18, n. 37, p. 671–695, 2016.
TURCO, L. E. G.; GALLARDO, A. L. C. F. Avaliação de impacto ambiental e avaliação ambiental estratégica: há evidências de tiering no planejamento de transportes paulista? Gestão & regionalidade, v. 34, n. 101, p. 40–55, 2018.