Os processos de precarização do trabalho doméstico remunerado e sua territorialização no espaço urbano

Autores

  • Paula Guedes Martins Ferreira IPPUR/UFRJ

Palavras-chave:

Trabalho doméstico, Análise de Políticas Públicas

Resumo

Resumo simples:

Esse artigo busca contribuir com as reflexões acerca do trabalho doméstico remunerado no país, dado a sua relevância na compreensão sobre a divisão sexual do trabalho e a o funcionamento da sociedade brasileira e de seu mundo do trabalho. Se pretende considerar os processos recentes de precarização do trabalho sem desconectá-los dos mecanismos permanentes dessa precarização e entender seus efeitos específicos sobre as trabalhadoras domésticas. A territorialização da moradia dessas trabalhadoras no espaço também será discutida, buscando relacionar a questão urbana à questão do trabalho.

Em todos os aspectos relacionados, constituição, precarização e territorialização do trabalho doméstico remunerado, serão discutidas também a existência, ausência e eficácias das políticas públicas que tem influência sobre o trabalho doméstico, sejam elas políticas ligadas a questão trabalhista ou a questão da assistência social. Além da reflexão teórica articulando esses conceitos fundamentais, será feita também uma análise estatística que permita captar esses processos.

Resumo Expandido:

Contextualização do tema:

O trabalho doméstico remunerado é um tema fundamental na discussão acerca do mundo do trabalho brasileiro e na divisão sexual do trabalho. Essa forma de trabalho tem profundas relações com a formação da sociedade brasileira, sendo fortemente influenciada pelo seu passado escravista e indicadora das profundas desigualdades existentes. Além disso, é uma das ocupações que mais emprega pessoas no Brasil, empregando por décadas cerca de 5% da população ocupada do país e quase 10% da população feminina ocupada[1]. Dessa forma, é uma das ocupações em que a divisão sexual do trabalho se apresenta de forma mais clara, já que 95% dos trabalhadores domésticos são mulheres.

O trabalho doméstico é também uma das maiores expressões da precarização do trabalho no país, apresentando continuamente baixas taxas de formalidade, baixos níveis de rendimento e grande desproteção social, com altos níveis de superexploração, fatores de risco de acidente de trabalho e altas taxas de assédio moral e sexual.  No contexto recente, esse cenário de precarização teve ainda mais destaque frente à pandemia da COVID-19 e suas consequências econômicas e sanitárias e frente a grande repercussão de resgates de trabalhadoras domésticas mantidas em regimes análogos à escravidão. Além disso, embora o trabalho doméstico remunerado exista a séculos na sociedade brasileira, ele não está imune aos processos de precarização contemporâneos, tais como a flexibilização da legislação trabalhista e a plataformização.

Assim, sendo uma forma de trabalho que é muito relevante tanto demográfica quanto socialmente, é de interesse refletir como estas trabalhadoras estão dispostas pelo território, em especial o território urbano. Enquanto um trabalho precarizado e mal remunerado, é possível supor que o trabalho doméstico se distribua pela cidade seguindo a forma geral de distribuição dos trabalhadores mais pobres pelo território, i.e., em que distância sociais se traduzem em distância físicas, se situando nas regiões mais periféricas dos espaços urbanos. Contudo, as formas extremas de precarização às quais estão submetidas as trabalhadoras domésticas, tais como a moradia no local de trabalho ou a ausência de auxílio transporte, podem indicar um diferente perfil de territorialização.

A composição do trabalho doméstico e suas características são fortemente influenciadas pelas políticas públicas, em especial por aquelas relativas à proteção do trabalho e é fundamental discutir a existência ou ausência de tais políticas e de que forma elas têm impactado essa forma de trabalho. Entre essas políticas, são de fundamental destaque tanto as políticas gerais relativas à proteção do trabalho, como a nova Legislação Trabalhista aprovada em 2017, quanto leis específicas tais como a PEC das Domésticas aprovada em 2013, e também as políticas públicas de caráter social, como as políticas de transferência de renda, que têm efeito direto sobre os trabalhadores mais precarizados.

Objetivo:

O objetivo deste artigo é, portanto, discutir a respeito do trabalho doméstico remunerado tentando compreender sobre a sua composição, suas características principais e de que forma ele tem sido afetado pelas políticas públicas de trabalho e de assistência social. Além disso, se buscará também compreender de que forma os processos recentes de precarização e os fenômenos de plataformização tem impactado o trabalho doméstico identificando as transformações e as permanências. Por último este artigo pretende discutir as formas de territorialização das trabalhadoras domésticas, objetivando entender de que forma o trabalho doméstico influencia e é influenciado pela composição do espaço urbano.

Metodologia:

Esse artigo buscará se apoiar em importantes reflexões teóricas que reflitam tanto sobre o trabalho doméstico e sua composição estrutural e historicamente determinada quanto em referenciais que discutam os processos de precarização na conjuntura atual e tentar relacioná-los. Além disso, será discutida a questão territorial analisando o processo de constituição do espaço urbano e de que forma ele é alterado e definido pelo trabalho, em específico o trabalho doméstico. Serão utilizadas também pesquisas estatísticas que possam indicar características tanto da composição social quanto da distribuição territorial do trabalho doméstico.

Em relação à distribuição territorial, a pesquisa estatística mais relevante se trata do Censo Demográfico, que permite o levantamento de informações no nível geográfico da área de ponderação, uma unidade geográfica que em geral corresponde a um bairro ou algum conjunto de bairros. O fato de o último Censo Demográfico ter sido realizado em 2010 implica que não é possível fazer reflexões o que mostrem o impacto de leis mais recentes sobre a distribuição das trabalhadoras domésticas pelo território, contudo, a composição social do território apresenta relativa estabilidade no tempo, o que significa que observar essa composição em 2010 ainda é relevante no contexto atual.

Síntese dos Resultados:

Focando a síntese dos resultados no que pode ser extraído a partir de pesquisas estatísticas, foram levantados alguns dados do Censo Demográfico de 2010 relativo às trabalhadoras domésticas para a região metropolitana do Rio de Janeiro e foi possível obter um mapa de sua distribuição pelo território. Embora as trabalhadoras domésticas sejam 6,7% da população ocupada na região esse percentual varia entre 1,2% e 16,6% nas diferentes regiões do território, indicando que há de fato uma diversidade nessa distribuição. Embora haja uma grande concentração do trabalho doméstico nos territórios periféricos, é possível perceber também uma concentração relativamente alta nos bairros mais ricos da cidade, indicando o que pode ser tanto a presença de trabalhadores morando em seu local de trabalho quanto sua presença em favelas mais facilmente conectadas a esses espaços.

Embora esse resultado seja ainda preliminar e careça de mais investigação e reflexão sobre sua extensão para outros contextos temporais e espaciais, ele indica um processo de interessante reflexão a respeito da territorialização do trabalho doméstico no espaço urbano.
[1] Dados do último Censo Demográfico realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010)

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Publicado

2024-01-04

Edição

Seção

ST 4 - Gênero, Políticas Públicas e Divisão Sexual do Trabalho