CAPACIDADES ESTATAIS NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ESPORTE E LAZER DE MUNICÍPIOS MINEIROS E PARANAENSES

CAPACIDADES ESTATAIS MUNICIPAIS NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ESPORTE E LAZER

Autores

  • LUCIANA ASSIS COSTA UFMG
  • Daniete Fernandes Rocha Faculdade Arnaldo Janssen
  • Fernando Augusto Starepravo Universidade Estadual de Maringá
  • Luciano Pereira da Silva Universidade Federal de Minas Gerais

Resumo

Resumo expandido

O modelo de federalismo adotado no Brasil prevê competências comuns a todos os níveis de governo, com relação à provisão de políticas sociais, acentuando o problema da definição de responsabilidades entre entes federados marcadamente assimétricos (PALOTTI; COSTA, 2011). A descentralização política e fiscal, ressaltadas pela Constituição Federal de 1988 (CF/88), alçou os municípios à categoria de entes federados e, paralelamente, ampliou as transferências de receitas tributárias aos níveis subnacionais (BRASIL, 1988). A descentralização passou a conviver com déficits na estrutura administrativa municipal e o seu êxito foi influenciado pelas limitações institucionais e financeira locais para responder aos encargos assumidos (ABRUCIO, 2005; KUGELMAS; SOLA, 1999; SOUZA, 2005).

As novas atribuições transferidas aos municípios aumentaram as exigências no sentido de um aprimoramento de sua capacidade de gestão. O desenvolvimento das capacidades estatais municipais é um desafio para a implementação das políticas públicas, sobretudo para o alcance de uma descentralização administrativa equitativa das políticas. Trabalhos recentes têm argumentado que, em contextos democráticos, capacidades estatais podem ser entendidas a partir de dois componentes principais. O primeiro é o componente técnico-administrativo, e seus principais indicadores para a operacionalização da análise são recursos humanos, financeiros e tecnológicos, estratégias de monitoramento e avaliação e instrumentos de coordenação intra e inter-governamentais (GOMIDE; PEREIRA; MACHADO, 2018). O segundo componente refere-se à dimensão político-relacional, que enfatiza a inclusão de múltiplos atores, dentro e fora do Estado, e processos de negociação e interação entre eles (CINGOLANI, 2013; SOUZA, 2016; PIRES; GOMIDE, 2016). Os principais indicadores utilizados na análise dessa dimensão são mecanismos de interação das burocracias do Executivo com atores do sistema político-representativo, canais institucionalizados de participação da sociedade nos processos decisórios e articulação com os órgãos de controle interno e externo (GOMIDE et al, 2018).

A política de esporte e lazer não dispõe de um mecanismo normativo robusto que regulamente os princípios, objetivos, diretrizes e regras institucionais para orientar sua efetivação. A fragilidade de mecanismos legais e de uma política nacional faz com que as políticas locais sejam frágeis (MENICUCCI, 2008) ou inexistentes, dada a possibilidade de inação dos municípios em relação ao esporte e lazer (SANTOS, 2019). Por outro lado, a disparidade e diversidade entre os 5570 municípios brasileiros permite que diferentes arranjos, estruturas e políticas sejam desenvolvidas no âmbito do esporte e lazer. Frente ao quadro suscintamente exposto, o objetivo do estudo foi analisar as capacidades estatais nas políticas de esporte e lazer em municípios dos estados de Minas Gerais (MG) e Paraná (PR).

Metodologicamente, este estudo é caraterizado como quantitativo descritivo- transversal. As variáveis foram selecionadas da base de dados do MUNIC Esporte, ano 2016 (IBGE, 2016). Inicialmente foram levantadas 32 variáveis, sendo 31 do MUNIC e 1 referente às despesas liquidadas na rubrica Desporto e Lazer em 2016 do SICONFI (BRASIL, 2017). Na análise descritiva das variáveis categóricas apresentamos a frequência absoluta e relativa. Para as variáveis contínuas apresentamos a média, desvio padrão, mediana, quartis, mínimo e máximo. 

Foram analisados 810 municípios mineiros e 389 paranaenses, os quais foram agrupados considerando a classificação dos tercis do escore total para cada estado. 

 

Síntese dos resultados

 

O primeiro achado a se destacar do universo de municípios analisados diz respeito ao porte populacional.  Aproximadamente 78% e 76% dos municípios dos estados de MG e PR, respectivamente, são de pequeno porte, com até 20 mil habitantes. 

 

 

Quando se trata de capacidade estatal, sabe-se que os municípios de pequeno porte apresentam restrições financeiras e fiscais, administrativas e de gestão que impactam diretamente na capacidade de implementação de políticas públicas, sobretudo quando não há clara definição de atribuições entre os entes federados e de suas relações intergovernamentais (LOTTA & VAZ (2015).

 

Grande parte dos municípios (97,5% e 99,5%) dos estados de MG e PR dispõem de estrutura organizacional (a maioria, 78% e 76%, em formato compartilhado) para a área de esporte e lazer. Um indicativo relevante que aponta para a institucionalização da política municipal de esporte nestes estados.

 

A execução da política se dá com uma burocracia bem enxuta, haja vista que o quadro administrativo da área, em cerca de 70% dos municípios mineiros e 60% dos paranaenses, possuem até 5 funcionários.

 

Em relação a despesa liquidada na função desporto e lazer, a faixa de gasto predominante no estado de MG está localizada no primeiro tercil (R$ 380,00 a R$ 105.678,70), 39,8% dos municípios, enquanto no PR a predominância está no terceiro tercil (R$ 295.789,40 a R$ 29.629.256,00), 47,7% dos municípios.

 

A regulação da área se dá principalmente (em torno de 70% em ambos os estados)  por meio da Lei Orgânica Municipal. Em MG 14% dos municípios possuem um Sistema Municipal de Esporte e Lazer.

 

Em torno de 60% dos municípios de ambos os estados executam as ações de esporte e lazer por meio da administração direita, e 40% contam com parcerias e convênios para a execução.

 

A informação sobre instalações de esporte e lazer que consta na base de dados Munic é avaliada de uma maneira muito geral, mensurando a existência e o quantitativo. Com essa métrica 98% dos municípios dispõem de alguma instalação específica à área.

A variável sobre mecanismo de participação social, operacionalizada pela presença de conselhos municipais de esporte e lazer, nos chama atenção pela diferença entre os estados. 66% dos municípios de MG dispõem de conselhos e apenas 9% dos municípios do PR. Essa situação em MG pode ser explicada pela indução da Lei de Incentivo Fiscal (ICMS) que tem como critério de repasse de verba para os municípios a implantação de conselhos municipais na área.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A partir dos achados é possível inferir que a estrutura organizacional da política municipal de esporte, materializada na presença de órgãos administrativos e regulamentação, está presente na maioria dos municípios analisados, lembrando que a maioria é de pequeno porte. Esse achado sinaliza para um potencial de dinamização da política de esporte e lazer, tendo em vista que ela dispõe de certa institucionalidade no âmbito local.

Um dos principais mecanismos de participação social das políticas públicas, que são os conselhos municipais, estão presentes em grande parte dos municipíos mineiros, o que não se verifica no PR,  em decorrência de um mecanismo indutório estadual (Lei fiscal) que pode ser uma estratégia replicável aos demais estados. 

As variáveis despesas empenhadas e o quadro burocrático demonstram ser os principais gargalos em relação à capacidade estatal dos municípios. Considerando novamente o porte populacional da maioria dos municípios (de até 20 mil habitantes), este achado nos remete a relevância de uma ação coordenada e intergovernamental, no sentido de fomentar a política por meio de transferência de  recursos e diretrizes, tendo em vista que os municípios já dispõem de estrutura mínima para executar as ações de esporte e lazer. 

 

 

Referências

ABRUCIO, L. F. A coordenação federativa no Brasil: a experiência do período FHC e os desafios do governo Lula. Revista Sociologia Política, Curitiba, 24, p. 41-67, jun. 2005. ABRUCIO, F. L.; COUTO, Claúdio Gonçalves. A Redefinição do Papel do Estado em Âmbito Local. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 10, n. 3, p. 40-47, 1996.

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CINGOLANI, L. The state of state capacity: a review of concepts, evidence and measures. UNU-Merit: Maastricht, 2013.

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LOTTA, G.; VAZ, J. C. Arranjos Institucionais de Políticas Públicas: aprendizados a partir de casos do Brasil. Revista do Serviço Público, v. 66, n. 2, pp. 171-194, 2015.

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SANTOS, E. S.. Descentralização do Programa Segundo Tempo e Níveis de Desenvolvimento Humano (IDH). Revista Licere, v. 22, p. 207-224, 2019.

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WEBER, M. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: UnB. 2 v. 1999.

 

 

 

Biografia do Autor

Daniete Fernandes Rocha, Faculdade Arnaldo Janssen

Graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Minas Gerais, 1982. Mestrado em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, 1995. Doutorado em Ciências Humanas: Sociologia e Política, pela Universidade Federal de Minas Gerais, 2010. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Mercado de trabalho rural, estratificação social e desigualdade social e na área de gestão/gestão pública e políticas públicas. Foi funcionária de carreira do Banco do Brasil, tendo ocupado o cargo de analista na Diretoria Rural. 

Fernando Augusto Starepravo, Universidade Estadual de Maringá

Possui graduação em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná (2003), mestrado (2005) e doutorado em Educação Física (2011) pela mesma Instituição. Realizou estágio de pós-doutorado na Loughborough University (UK) entre 2019 e 2020. Seus estudos estão voltados especialmente às políticas públicas de esporte e lazer, atuando principalmente nos seguintes temas: Estado, esporte, sociologia, políticas públicas, esporte universitário e lazer. Atualmente é professor do Departamento de Educação Física da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e do Programa de Pós-graduação Associado em Educação Física UEM-UEL, além de coordenar o Grupo de Estudos e Pesquisa em Políticas Públicas de Esporte e Lazer (GEPPOL/CNPq) e colaborar no Instituto Inteligência Esportiva da UFPR.

Luciano Pereira da Silva, Universidade Federal de Minas Gerais

Possui graduação em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas (1997), mestrado em Desenvolvimento Social pela Universidade Estadual de Montes Claros (2007) e doutorado em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (2012). Atualmente é professor da Universidade Federal de Minas Gerais. É diretor do Centro Esportivo Universitário CEU-UFMG.

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Publicado

2024-01-04

Edição

Seção

ST 7 - Estado e Sociedade Civil: políticas públicas, múltiplas desigualdades e construção de futuros com prospectiva estratégica