Ocupação Professor Fábio Alves: trajetória e situação atual no contexto de Belo Horizonte
Palavras-chave:
ocupação, política habitacional, movimento socialResumo
Resumo simples
O artigo tem como objetivo examinar a trajetória da Ocupação Professor Fábio Alves, localizada no município de Belo Horizonte, desde a sua criação em 2018, destacando a atuação dos atores coletivos envolvidos e sua relação com o poder público (executivo, legislativo e judiciário), marcada por conflitos, impasses e tensões. Para tanto, recorreu-se a revisão bibliográfica sobre movimentos sociais relacionados à questão da moradia popular, pesquisa documental, incluindo reportagens da mídia e publicações em redes sociais e semelhantes sobre a referida ocupação, além de conversas informais com moradores e atores-chave. O argumento analítico mostra que, pouco depois de a Ocupação se estabelecer, instaurou-se um conflito judicial com a empresa R. S. Morizono, que reivindica a propriedade da terra. Contemplando atualmente mais de 500 unidades habitacionais construídas pelos próprios moradores, a Ocupação vem se defrontando com ameaças de remoção, face a uma decisão judicial de reintegração de posse concedida à empresa, de caráter liminar, contestada por apoiadores, lideranças e militantes envolvidos em sua organização e manutenção. Durante mais de quatro anos de luta no território, foram estabelecidas negociações com o Estado, enquanto a Ocupação se sustenta.
Resumo expandido
Embora o direito à moradia tenha sido constitucionalmente assegurado, a magnitude do déficit habitacional brasileiro, em suas múltiplas dimensões qualitativas e quantitativas, indica desafios não raro intransponíveis para o acesso à moradia adequada por parte dos setores populares. Historicamente, tais setores se vêem forçados a equacionar o problema da moradia por meio de ocupações informais, que constituem parte expressiva do tecido socioespacial das cidades brasileiras, marcado por desigualdades e processos de segregação. Como agravante, no contexto dos últimos anos observa-se o desmonte de políticas habitacionais a nível federal, estadual e municipal, ao lado do esgarçamento da relação entre os movimentos sociais e os governos.
No caso de Belo Horizonte (BH), os anos 1990 foram marcados pela construção de uma política habitacional com diversos instrumentos, inclusive voltados para a regularização urbanística e fundiária das áreas informais, junto às instituições participativas. Notadamente no período 2009 - 2017, houve um desmonte da política e dos próprios canais de participação. Nesse contexto, há uma retomada das Ocupações Urbanas na cidade, abrigando um grande número de famílias, que têm sido objeto de diversos trabalhos (Lourenço, 2014; Maia 2015; Bittencourt , 2016;Dias e Decat, 2018; Brasil et al, 2020).
A Ocupação Fábio Alves, localizada na regional Barreiro, em BH, se caracteriza pela tomada de uma porção de terra, com cerca de 7,3 hectares, para a construção de moradias populares por seus próprios moradores, isto é, por meio da auto-construção. A Ocupação, iniciada em outubro de 2018, contempla hoje mais de 500 famílias. Com a empresa R.S. Morizono declarando-se proprietária do terreno, instaura-se um conflito judicial. A situação é questionada pelo movimento Luta Popular, que organiza a Ocupação. Em audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor da Câmara Municipal de BH (CMBH), em julho de 2019, a integrante do movimento, Flávia Silvestre, afirma que o terreno esteve desocupado durante 50 anos. Ela também questiona a “clareza sobre a posse do terreno”, que foi doado pela Prefeitura de BH sob a condição de realização de um empreendimento nunca realizado. Poucos meses após o início da Ocupação, a remoção forçada já era uma preocupação das famílias, tendo em vista uma decisão judicial de reintegração de posse.
Busca-se aqui examinar a trajetória da Ocupação Professor Fábio Alves do seu início até a atualidade das lutas pela manutenção da comunidade. Nesse percurso, aborda-se com especial atenção as ações e articulações da Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH), da Assembléia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), e dos poderes executivos no âmbito municipal e estadual, bem como as decisões judiciais. Já ao final de 2018, o caso foi pautado pela Mesa Estadual de Diálogo e Negociação Permanente com Ocupações Urbanas e Rurais por meio de ofício da 22ª Vara Cível. A empresa R. S. Morizono entrou com processo judicial e obteve liminar favorável à reintegração de posse em agosto de 2019. A partir do início de 2020, a pandemia de Covid 19 impediu a remoção forçada, fundamentalmente diante da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 828), protocolada pelo STF em abril de 2021. Durante todo o ano de 2022, as negociações entre as partes do conflito, através da Mesa de Diálogo, acumularam episódios e esforços para resolução do problema, não encontrando saída consensual para a disputa territorial.
Este trabalho inscreve-se num projeto mais abrangente voltado para a abordagem de movimentos sociais em BH, suas formas de atuação e de interação com o Estado e as políticas públicas. De forma qualitativa, o artigo realiza um esforço exploratório e descritivo, com foco no caso da Ocupação Prof. Fábio Alves. O objetivo é mapear atores coletivos e caracterizar relações envolvidas na criação e manutenção da Ocupação, especialmente em sua interlocução com o poder público. Foi realizada uma revisão bibliográfica relativa às Ocupações em BH, constatando-se a relativa ausência de estudos sobre o caso focalizado. Ao lado disso, realizaram-se levantamentos de reportagens sobre a Ocupação e eventos pontuais a ela relacionados, na mídia e em redes sociais. A partir de visitas ao local, também se recorreu a observação direta e conversas informais com moradores locais.
A audiência pública da CMBH, por meio da já referida Comissão, solicitou, em 2019, a realização de uma visita técnica a fim de “averiguar as condições da Ocupação Professor Fábio Alves e dos moradores, bem como formas de incidências para resolução justa e pacífica do conflito”. A visita, que contou com a presença da então vereadora Bella Gonçalves, é marcante por criar uma situação em que servidores e representantes do legislativo municipal entram em contato direto com grupos vulneráveis e com a precariedade material a que estão sujeitos. São circunstâncias que tendem a aumentar a expectativa de moradores e moradoras em relação à legitimação do esforço que realizaram para se manter no território. É comum que nesses encontros ocupantes e militantes se organizem para apresentar enfaticamente suas reivindicações.
Em agosto de 2020, os moradores da Ocupação organizaram um ato que ocupou a frente do prédio da PBH. O objetivo da ação coletiva foi pressionar o então prefeito Alexandre Kalil, reivindicando seu compromisso com a permanência das famílias. A pauta central foi a realização do cadastro de moradores, moradores e unidades habitacionais da Ocupação. Sem resposta efetiva por parte da PBH, os ocupantes decidiram acampar na portaria do edifício público, usando barracas e um fogão para preparação da refeição noturna. Notadamente, as ações auto-organizadas em defesa da Ocupação indicam que, mesmo sob situações de extrema vulnerabilidade social, aqueles e aquelas que ocupam investem energia no jogo de disputas porque entendem sua posição no cenário político.
Nesse processo, os moradores têm se mobilizado, com o envolvimento de diversos apoiadores, como a Pastoral da Terra, a organização sindical CSP - Conlutas dentre outros. Sua atuação tem recorrido a um repertório amplo de ação coletiva que envolve interações com o poder público, da judicialização do conflito a eventuais diálogos e negociações. Até o momento, a despeito de tensões e reveses, a Ocupação segue se mantendo.
Referências
BITTENCOURT, Rafael Reis. Cidadania autoconstruída: o ciclo de lutas sociais das ocupações urbanas na RMBH (2006-2015). 2016.
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DIAS, Maria Tereza Fonseca; DECAT, Thiago Lopes. Ocupações urbanas na região metropolitana de Belo Horizonte: redistribuição como reconhecimento na luta pelo exercício do direito à moradia adequada. Revista de Direito da Cidade, v. 10, n. 2, p. 1153-1177, 2018.
LOURENÇO, Tiago Castelo Branco. Cidade ocupada. Belo Horizonte, v. 234, 2014.
MAIA, Petter Isackson et al. Democracia, participação social e política urbana: o direito à cidade e a política habitacional de Belo Horizonte (1993-2018). 2019.
MARICATO, Ermínia. Para entender a crise urbana. CaderNAU, v. 8, n. 1, p. 11-22, 2015.
SANTOS, Eleonora Cruz. Ensaios e discussões sobre o déficit habitacional no Brasil. 2022.