A inclusão digital como um direito no contexto das cidades inteligentes

Autores

  • Cátia Muniz Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer
  • Cleide de Marco Pererira Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer
  • Alcides Gussi Universidade Federal do Ceará
  • Angela Alves Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer

Palavras-chave:

inclusão digital, exclusão digital, direito à cidade;, Cidades Inteligentes

Resumo

O trabalho se propõe a trazer para o debate o tema inclusão digital no contexto do direito às cidades inteligentes. O debate se faz importante, visto que uma das características das cidades inteligentes é a mediação da gestão pública e da vida urbana por meio da utilização de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC). O tema traz novamente à tona a inclusão digital, que se considerava como resolvida no Brasil. Contudo, a pandemia do COVID-19 mostrou que a exclusão digital ainda é assunto presente, sobretudo entre a população mais vulnerável economicamente. Cita-se, como exemplo, as iniciativas de ensino remoto, no contexto da pandemia do novo coronavírus, tendo em vista que, para acessar as aulas remotas, havia a necessidade da disponibilidade de ferramentas digitais, como computador, celular e internet. A análise do exemplo citado foi realizada a partir de pesquisa bibliográfica e de mídia de notícias. A principal conclusão é a de que, em cenários como o brasileiro, com histórica desigualdade, o uso de TICs deve ser considerado um direito, e deve-se garantir acesso e conhecimento sobre essas tecnologias e à sua infraestrutura para que não se amplie a exclusão social, ressignificada em exclusão digital, no contexto das cidades inteligentes.

Palavras-chave: inclusão digital, exclusão digital, direito à cidade, cidades inteligentes, TIC

 

 

Grande parte das discussões que permeiam o conceito de cidade inteligente, tem como um dos destaques o uso de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) como uma ferramenta que pode contribuir para a melhoria das condições de vida da população (MORA et al, 2017). As denominadas cidades inteligentes buscam formas inovadoras para enfrentar os desafios urbanos relacionados à infraestrutura e à oferta de serviços para a população que possam ser mediados pelas TICs (ALBINO et al., 2015, CUNHA et al, 2016, MORA et al, 2017,).

Dessa forma, as soluções para a mobilidade urbana, saúde, educação, entre outros, que interferem diretamente na vida dos moradores das cidades, deveriam ser pensadas para todas as pessoas que a habitam, e não só para uma pequena parcela que reside em locais onde a infraestrutura encontra-se mais prontamente disponível para implementação tecnológica. Nesse sentido, as tecnologias instaladas deveriam estar universalmente acessíveis e, com isso, refletir uma melhora nas condições de vida de todas as pessoas, tornando a cidade mais inclusiva a seus moradores.

Todavia, o que foi visto durante a pandemia provocada pela COVID-19 é que muitas pessoas ainda não têm acesso às TICs, o que nos faz retomar ao debate sobre inclusão/exclusão digital no Brasil e no mundo. A discussão se dá no contexto das cidades inteligentes, já que as características dessas cidades têm como proposta a introdução de tecnologias que solucionem os problemas vivenciados pela população local.

Nesse sentido, no período da pandemia do novo coronavírus, a temática da inclusão digital se tornou relevante, pois a principal recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) foi o isolamento social. A partir dessa sugestão, muitas pessoas precisaram trabalhar em casa, participar de videoconferências, bem como estudantes a ter aulas on-line. Contudo, nem todos tinham acesso às tecnologias digitais necessárias para a realização destas atividades ou para uso de serviços unicamente digitais. Essa falta de acesso se deve a variados fatores, mas que têm algo em comum em sua origem: a produção e a reprodução das desigualdades socioespaciais nas cidades e também em um país com as características socioeconômicas e geopolíticas do Brasil (DE MORAES ALFONSIN; CHALA, 2020).

O evento da pandemia do COVID-19 não foi o responsável pelos problemas de exclusão digital que se apresentaram no momento, mas tornou ainda mais visível um sistema já debilitado de acesso às variadas infraestruturas urbanas importantes, como as TICs. Dessa forma, considera-se que não se pode pensar em cidades inteligentes sem levar em consideração políticas de inclusão digital.

Temos visto cada vez mais o uso de TICs como um meio para afirmar direitos humanos fundamentais, como saúde e educação, devido à utilização de tecnologias digitais embutida em seus serviços e acessos. A Comissão de Direitos Humanos da ONU (2011) já reconheceu a inclusão digital como um dos direitos fundamentais, e considerou inclusive quaisquer impedimentos ao uso de Internet como infringimentos ao artigo 19 (sobre liberdade de expressão em qualquer meio) da Declaração Universal dos Direitos Humanos. É nesse sentido que o acesso a serviços e conteúdos por meio de TICs na “era da informação, tornou-se tão indispensável ao exercício da cidadania quanto o direito à saúde e educação” (LADEIRA; MOIA, 2009, p. 26). Com isso, a inclusão digital passa a ser vista como um direito (SANTOS, 2009; WARSCHAUER, 2006, SILVEIRA, 2003) sem o qual não é possível que existam cidades inteligentes de fato.

Por isso, para lidar com tais questões pertinentes à mediação de serviços públicos via TIC, é necessário que governos municipais, estaduais e federal tenham em suas agendas a formulação de políticas públicas de inclusão digital, sobretudo para aquelas cidades que querem se tornar inteligentes. Isto porque, essas cidades têm como um dos seus objetivos a utilização de TICs para melhoria das condições de vida dos moradores locais. Diante desse cenário de complexa relação humano-tecnologia e, cada vez mais, governo-tecnologia na vida urbana, surgem duas questões-chave, além de outras mais específicas delas decorrentes. A primeira questão-chave é: como as indagações sobre a exclusão digital reveladas durante a pandemia de COVID-19 podem contribuir para se (re)pensar as cidades inteligentes? A segunda: que tipo de iniciativas as denominadas cidades inteligentes poderiam propor para incluir digitalmente as pessoas que vivem nos municípios brasileiros?

Desse modo, ao tentar responder as duas questões, este trabalho propõe-se a debater três pontos principais. Inicialmente, destaca-se (a) que o direito à cidade é também direito ao acesso às TICs, analisando qual tipo de acesso tem sido proporcionado à população (DE MORAES ALFONSIN; CHALA, 2020), principalmente de baixa renda. O conceito de direito à cidade tem como referência Lefebvre (2001) que considera o direito à cidade como um direito de não exclusão da sociedade urbana, de não exclusão das qualidades e benefícios da vida urbana. Nesse caso, será citado o exemplo das aulas remotas disponibilizadas aos estudantes brasileiros durante a pandemia do COVID-19.  O caso será analisado, neste trabalho, como um exemplo, para os municípios que planejam se tornarem “inteligentes” percebam como étentar para as dificuldades de acesso da população às tecnologias, que pretendem implementar em suas cidades, e aos serviços que querem ofertar de forma digital. São feitas também (b) considerações sobre as ações necessárias para o acesso e capacitação do uso dessas tecnologias, evidenciadas pela pandemia. Finalmente, (c) são feitas sugestões e propostas para “cidades inteligentes”, (re)pensadas, a partir da pandemia de COVID-19. Nesse último item o destaque será dado ao reconhecimento, em um sentido mais amplo, de que a adoção do conceito de cidades inteligentes não necessariamente produz uma vida urbana mais justa. Mais do que isso, se o novo modelo não estiver atrelado às reformas mais profundas em estruturas historicamente relacionadas às possibilidades e impossibilidades do direito à cidade e formas de acessá-la, como forma de redução das desigualdades, é possível que torne a vida urbana mais injusta (GUIMARÃES; ARAÚJO, 2018).

 

Referências Bibliográficas

ALBINO, Vito; BERARDI, Umberto; DANGELICO, Rosa Maria. Smart cities: Definitions, dimensions, performance, and initiatives. Journal of urban technology, v. 22, n. 1, p. 3-21, 2015.

CUNHA, M. A., PRZEYBILOVICZ, E., MACAYA, J. F. M., & SANTOS, F. B. P. D. Smart cities: transformação digital de cidades. São Paulo: Programa Gestão Pública e Cidadania –PGPC, 2016.

DE MORAES ALFONSIN, Betânia; CHALA, Bárbara Guerra. O direito à cidade como fundamento normativo de garantia da inclusão digital no espaço urbano brasileiro. Revista de Direito da Cidade, v. 12, n. 4, p. 225-246, 2020.

GUIMARÃES, Patrícia; ARAÚJO, Douglas. O direito à cidade no contexto das smart cities: O uso das TICs na promoção do planejamento urbano inclusivo no Brasil. Revista de Direito da Cidade, 10(3), p. 1788–1812, (2018).

LADEIRA, M; MOIA, R. Inclusão digital e cidadania. São Paulo: Tempo & Memória, 2009.

LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. Tradução de Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Centauro, 2001.

MORA, Luca; BOLICI, Roberto; DEAKIN, Mark. The first two decades of smart-city research: A bibliometric analysis. Journal of Urban Technology, v. 24, n. 1, p. 3-27, 2017.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, ONU. Transformando nosso mundo: a agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável. 49p. Disponível em: . Acesso em: 17/07/2020.

SANTOS, Maria Salett (org.). Inclusão digital, inclusão social? Usos das tecnologias da informática e comunicação nas culturas populares. Recife: Ed. do autor, 2009.

SILVEIRA, Sérgio. Inclusão digital, software livre e globalização contra-hegemônica. In: SILVEIRA, Sérgio; CASSINO, João. (org.). Software livre e inclusão digital. São Paulo: Conrad; Editora do Brasil, 2003.

WARSCHAUER, MARK. Technology and social inclusion: rethinking the digital divide. Cambridge: MIT Press, 2006.

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Publicado

2024-01-04

Edição

Seção

ST 18 - Tecnologia, território e governança urbana