AS EXPERIÊNCIAS COTIDIANAS COM AS POLÍTICAS PÚBLICAS E SEUS EFEITOS: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA PARA UMA AVALIAÇÃO CRITICA DA IMPLEMENTACAO

Autores

  • Natalia Rigueira Fernandes Universidade Federal de Ouro Preto
  • Breynner Ricardo de Oliveira Universidade Federal de Ouro Preto

Palavras-chave:

Políticas Públicas;, Avaliação de Políticas;, Avaliação da Implementação;, Políticas do Guichê.

Resumo

RESUMO

O artigo é uma contribuição ao campo da avaliação para o aprofundamento da avaliação da implementação. Parte-se do princípio que as trajetórias das políticas e de seus atores podem revelar dimensões históricas, culturais, coletivas e sociais. O artigo pretende trazer aportes metodológicos que considerem experiências, desigualdades, diversidades e sabedoria local. Tal proposta articula avaliação em profundidade, trabalho etnográfico e uso de narrativas como possibilidades metodológicas concretas ao campo da avaliação. Ao se valer das proposições de Goffman (1982), Feire (1987) e Gonzalez (1988) este artigo discute sobre os estigmas que podem ser revelados nas interações burocráticas, relações entre oprimidos e opressores e sobre marginalidades e a insuficiência das categorias analíticas para explicarem a realidade das classes populares. O artigo problematiza sobre o processo de interação dos sujeitos com os guichês da implementação e a interação entre os atores decisores da política. A perspectiva crítica sobre a avaliação de políticas parte da premissa de que a cosmovisão dos atores é uma dimensão importante, já que estes são interlocutores com propriedade para revelarem como as políticas são traduzidas em suas trajetórias. Através do trabalho etnográfico e do uso de narrativas, torna-se possível compreender, com rigor, o cotidiano, seus atores, saberes e experiências.

Palavras-chave: Políticas Públicas; Avaliação de Políticas; Avaliação da Implementação; Políticas do Guichê.

 

RESUMO EXPANDIDO

Contextualização do tema

Embora ainda pouco ampliada no Brasil, a discussão sobre uma avaliação que extrapole o caráter metodológico convencional de ações determinadas tem surgido em torno de uma perspectiva que não precisa, necessariamente, ser finalística para ser caracterizada como avaliação. Oliveira (2019) afirma que o campo de avaliação de políticas, propulsor de estudos analíticos e finalísticos, acaba desconsiderando os agentes e destinatários das políticas como sujeitos sociais, atribuindo, a estes, certa invisibilidade.

Gussi e Oliveira (2016) atribuem ao itinerário da política ou à centralidade do processo de implementação o conceito de trajetória da política, compreendendo as políticas em sua perspectiva dinâmica e dotada de múltiplas representações, a partir da forma sobre a qual o percurso que percorre a política é construído. O conceito contribui com a discussão sobre perspectivas contra hegemônicas da avaliação.

Objetivo

Apresentar, ao campo da avaliação de políticas, uma perspectiva critico-metodológica com vistas à avaliação da implementação, com ênfase na avaliação em profundidade, trabalho etnográfico e uso de narrativas.

Metodologia

A proposta metodológica que apresentamos se ancora sobre três aspectos: analise em profundidade, trabalho etnográfico e uso de narrativas, com a compreensão de que a análise da implementação de políticas pode oferecer subsídios importantes para o campo da avaliação.

 A noção de experiência é central na proposta de Lejano (2012), engajada com o entendimento da complexidade presente nas relações e fenômenos em torno da política, sendo imprescindível o olhar sobre o processo, o contexto, a dinamicidade e as múltiplas experiências quando trata-se da análise de políticas públicas. O autor ancora sua discussão sobre análise em profundidade.

Uma das proposições para a compreensão das culturas e experiências dos sujeitos no processo de implementação de políticas, segundo o mesmo autor, é o trabalho etnográfico. Em sua obra “A Interpretação das Culturas” Geertz (1978) propõe que a interpretação das culturas deve ocorrer como se as culturas fossem textos, ou seja, como uma teia de significações tecidas pelo próprio homem.

Assim, as narrativas emergem como um atributo capaz de oferecer a oportunidade de compreensão das experiências e percepções dos sujeitos sobre o processo de implementação. Segundo Jovchelovitch e Bauer (2000), o uso de narrativas revela uma “técnica para eliciar informações” (p. 96), através da qual, sem interrupções, os sujeitos são ouvidos, bem como suas experiências e compreensões sobre os processos, atribuindo visibilidade aos sujeitos.

Síntese dos Resultados

Através de uma discussão profícua sobre conhecimento local no sul da Ásia, Zaveri e Nandi (2022) enfatizam o crescimento orgânico dos campos de avaliação no Sul Global, relatando seu esforço em produzir uma avaliação que considere as desigualdades e diversidade de sua população. Sob essa mesma perspectiva, Oliveira (2019) propõe que o fortalecimento de um campo de avaliação de dimensão crítica seja amadurecido no Brasil, através de propostas concretas diante de uma agenda política dominante reguladora da ação pública.

Três aspectos importantes para Zaveri (2022), que podem ser úteis para o debate que estabelecemos a partir de uma avaliação crítica são estar com o povo, ouvir o povo e falar com/para o povo. O primeiro aspecto diz respeito ao conhecimento do contexto e das microculturas. Sobre a complexidade do contexto, Zaveri (2022) afirma que estar com as pessoas pode auxiliar na compreensão da dinâmica subjacente, interações e estruturas de poder, que se entrelaçam para criar certo equilíbrio ou harmonia.

Lejano (2012) ao discutir as estruturas hegemônicas presentes no campo da avaliação, explica que a presença de um hiato, capaz de distanciar texto e contexto, justamente porque políticas costumam ser avaliadas de forma descontextualizada do "chão" onde pisam as pessoas que interagem no processo de implementação e vivenciam experiências.

O atributo estar com o povo pode ser colocado, dialogicamente, com a discussão sobre colonialidade do poder, de Aníbal Quijano (1997). Segundo o sociólogo e pensador humanista peruano, a resistência a esse modelo é chamada decoloniedade. Da mesma maneira, o saber pode ser descolonizado e este aspecto aponta para o mesmo debate que temos defendido aqui: o olhar para a sabedoria local, contextos, interações e culturas para pensar em uma avaliação da implementação de políticas ou programas.

O segundo aspecto proposto por Zaveri (2022) compreende ouvir as pessoas. Tal postura é muito relevante, justamente porque chama a atenção para o processo de implementação e porque coloca ao pesquisador a responsabilidade de estar no campo de forma ativa.

Geertz (1991) escreve sobre a habilidade de penetrar (ou ter sido penetrado por) uma outra forma de viver, realmente “estando la” diante de uma outra cultura. Para ele, é preciso despir-se de suas classificações de mundo para incorporar a visão de mundo dos sujeitos sociais. Rosistolato (2015, p. 72) afirma que a antropologia pode ser apresentada como uma “uma ciência feita por indivíduos que decidem relativizar suas visões de mundo com base na observação e análise das concepções presentes em culturas diferentes das suas”. 

O último atributo recomendado por Zaveri (2022) diz respeito a falar com/para o povo, afirmando que, para descolonizar a prática de avaliação, é preciso conceber uma avaliação centrada nas pessoas (p. 175). É interessante observar que, a partir da premissa que envolve “estar junto”, procuramos mitigar a postura hermética entre pesquisadores/avaliadores e a população, considerando culturas e descolonizando os saberes e concepções já construídos sobre diferentes culturas. 

 O ato de falar com/para o povo, aliado a preocupação de “estar junto” e ouvir a sabedoria local pode estar comprometido com o uso das narrativas, definido por Jovchelovitch e Bauer (2000) e Maynard Moody e Musheno (2003), como uma estratégia metodológica que permite a compreensão sobre como os sujeitos vivenciam e interpretam os processos, trazendo à tona suas experiências, identidades e subjetividades. A figura abaixo demonstra que a preocupação consiste em considerar a sabedoria local das populações para uma avaliação mais crítica e menos hegemônica.

Toda essa preocupação em ampliar o debate do campo da avaliação, em busca de uma compreensão que ultrapasse sua concepção finalística, torna-se necessária, já que os decisores, por sua atitude discricionária, podem atuar desencadeando estigmas, como aponta Goffman (1987), principalmente diante de populações em vulnerabilidade econômica e social.

Referências

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Publicado

2024-01-04

Edição

Seção

ST 13 - Implementação de políticas educacionais e suas conexões com outras políticas, campos e saberes: o que as pesquisas têm revelado?