Renovação da lei de cotas

análise dos limites e possibilidades

Autores

  • HELOISE STEFANI UFRN
  • Leovictor Alves
  • Vitória Alice

Palavras-chave:

Lei de cotas, Educação, População negra

Resumo

Resumo simples:
A educação no Brasil é um direito constitucional, garantido a todos. Mas, para as pessoas
negras do país, há desafios particulares que ainda precisam ser enfrentados. Por isso, a Lei
de Cotas é importante para inserir negros e negras nas universidades públicas, reparando
deste modo uma dívida histórica, que divide o país social e economicamente reforçanco a
desigualdade. O objetivo deste trabalho é analisar os limites e possibilidades postas pela lei
de cotas à população negra. Pois, o mecanismo completou uma década e, de acordo com a
lei, ela passaria por uma revisão em 2022, que não aconteceu devido ao esvaziamento das
políticas públicas de igualdade racial durante o governo Bolsonaro. Tal avaliação da eficácia
faz-se necessária por questões transversais sobrepostas ao cotidiano da população negra,
como a inserção no mercado de trabalho após torna-se egresso. A lei também não insere
pessoas negras com renda per capita acima de 1,5 salário mínimo, mas o racismo perpassa
todas as classes sociais. Abordamos ainda sobre as falhas no monitoramento dos ingressos
nas universidades.
Palavras-chaves: Cotas; população negra; educação.


Resumo expandido:
Contextualização
As desigualdades raciais constituem-se em um dos problemas públicos mais
profundos e persistentes do Brasil (CARNEIRO, 2003; NASCIMENTO, 2016). Todos os
direitos, que hoje a população negra possui, foram conquistados através de muita pressão e
muitas reivindicações por meio do Movimento Negro, especialmente no contexto da ditadura
civil-militar. (CARNEIRO, 2003; NASCIMENTO, 2016; JACCOUD, 2009).
A coniguração societária racista é o que justificou a perpetuação da escravidão
durante séculos, com adesão e aceitabilidade a nível mundial. Contudo, o conceito de raça
no sentido sociológico, trata-se apenas de uma construção social, fundamentada mais no
racismo do que na ciência (MUNANGA, 2003). Os efeitos do racismo científico deixaram
marcas profundas na população negra, que ainda busca formas para conseguir garantir todos
os direitos básicos e reduzir as desigualdades raciais presentes no nosso país.
O desenvolvimento das ações de combate à desigualdade racial começou apenas em
2003, quando foi criada a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR),
que tinha status de ministério e pertencia à Presidência da República. Seu objetivo era instituir
ações governamentais, implementando políticas públicas em conjunto com os outros
ministérios e entidades federativas, para combater a discriminação e promover a igualdade
racial. (GOMES; ALVES, 2017). De acordo com Gomes e Alves (2017), a SEPPIR “é a
primeira estrutura ministerial criada exclusivamente para promover a igualdade racial.”.
Embora a primeira lei sobre educação do Brasil, de 1827, não impedisse o acesso de
negros à escola, outra lei, editada pela Província do Rio de Janeiro em 1837, proibia a
presença de "escravos e pretos africanos" nas escolas. (BRASIL, 1827). Por isso, dentre as
diversas instâncias e mecanismos implementados a partir da SEPPIR, uma que ganha
destaque é a lei nº 12.711 de 2012, conhecida popularmente como Lei de Cotas. Instância
que este artigo busca analisar a implementação e eficácia. Ela possui visa a inclusão de
pessoas pretas, pardas, indígenas e deficientes nas Universidades. (BRASIL, 2012). Tratase de uma ação para promover direitos e corrigir injustiças sociais históricas.
Em conformidade com Silva, Xavier e Costa (2020, pág. 3), a Lei de Cotas: “pode
permitir não apenas a reconfiguração no perfil dos alunos ingressantes no ensino superior
público, historicamente elitizado, mas também a possibilidade de uma redistribuição de renda
autossustentável.”. Em outras palavras, a lei não possui o caráter combativo apenas na esfera
das desigualdades raciais nas universidades, mas também visa sanar as desigualdades
sociais e econômicas, estabelecidas historicamente.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apresentou que, entre 2010 e
2019, houve aumento de quase 400% no número de alunos pretos e pardos nas instituições
de ensino do Brasil. De acordo com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições
Federais de Ensino Superior (Andifes), de 2003 a 2018, o percentual de pretos e pardos no
ensino superior público subiu de 34,2% para 51,2%. Posto isto, a inserção da população
negra nas universidades públicas, aconteceu de forma positiva e gradativa.
A avaliação da eficácia da lei estava prevista para 2022, 10 anos após a
implementação. Contudo, é inegável que as políticas públicas estiveram estagnadas durante
o processo de repressão nos governos de direita, que se estabeleceram no Governo Federal
a partir do golpe/impeachment contra Dilma Roussef em 2016. (GOMES; SILVA; BRITO,
2021). A revisão das cotas durante o governo Bolsonaro poderia, para além de um
esvaziamento, se esgotar totalmente.
Objetivo
O presente trabalho busca analisar as possibilidades e os limites na Lei nº 12.711 de 2012,
conhecida popularmente como a lei de cotas, considerando os 10 anos de sua inserção nas
universidades públicas e a inexistência da revisão prevista pela instância.
Metodologia
A pesquisa possui natureza exploratória, resgatando leis, agendas, concepções e
trajetórias ligadas à educação da população negra, identificando possibilidades e limites. Para
isso, realizamos uma análise qualitativa, descritiva e exploratória (SAMPIERI, COLLADO e
LUCIO, 2006), com base em análise documental em nível nacional.
Resultados
A abolição da escravatura não demarcou um processo revolucionário para a
população negra, pelo contrário, tratou-se de um ato das elites, pelas elites e para as elites
(ALVES, 2022). Em nenhum momento, foi considerada a dor vivenciada pela população
negra, isto é notório pela realidade em que estavam inseridos: sem direito à educação, saúde,
moradia, entre outros.
A educação é o ponto de partida para o progresso em outras esferas, como o mercado
de trabalho e, considerando a formação sócio-histórica brasileira, podemos dizer que “a base
da constituição da sociedade capitalista – a troca mercantil – não é um dado natural, mas
uma construção histórica.”. (ALMEIDA, 2019, pág. 95). Em outros termos, há aspectos
históricos e estruturantes ao mercado de trabalho racializado no Brasil.
Portanto, a questão econômica é um fator que também impossibilita a permanência
da população negra nos espaços acadêmicos. Segundo Anna Venturini, do centro de estudos
do núcleo Afro do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Afro-Cebrap), a crise causada
pela pandemia e os sucessivos cortes de orçamento nas universidades federais tornam mais
urgente que as cotas venham acompanhadas de políticas de permanência estudantil.
A população negra ainda permanece sendo maioria em trabalhos informais e
vivenciando velhos hábitos arcaicos de herança escravista que marcam a submissão desse
grupo. (THEODORO ET AL, 2008). Tal fato é perceptível na presença majoritária de mulheres
negras exercendo a profissão de empregadas domésticas. (JACCOUD, 2009). O racismo
também perpassa por todas as classes sociais.
Para mais, há falhas no monitoramento da Lei de Cotas, o que possibilita a inserção
de pessoas não-negras nas universidades (TENENTE, 2022), uma vez que é sabido que não
é necessário comprovações para a inserção. Ainda de acordo com Tenente (2022), as bancas
de heteroidentificação não conseguem atuar de forma eficaz em todas as instituições federais
de ensino.
Por fim, é imprescindível a revisão e a análises na lei de cotas, pois o mecanismo tem
um grande potencial para contribuir com a realidade da população negra, especialmente da
juventude negra, tendo a possibilidade de romper com o ciclo da pobreza.


Referências
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Publicado

2024-01-04

Edição

Seção

ST 5 - Políticas de Ações Afirmativas: análise, avaliação e monitoramento