A previdência social brasileira entre a seguridade e o seguro financeiro

Autores

  • Hellen Alves Sá UFPR

Palavras-chave:

previdência social, seguridade social, seguro social, financeirização

Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar as transformações ocorridas nas políticas de segurança social, com particular ênfase em um dos seus principais pilares - a Previdência Social. Além disso, traz a luz a reflexão sobre o processo de inversão de entre seguridade e seguro social perante o contexto de crescente dominação financeira. Para tanto, foi realizado estudo bibliográfico e histórico que busca resgatar a composição da seguridade até o momento recente de mudança de pilares da sociedade. Assim, chegou-se as seguintes concepções e resultados: a política de previdência social é intrínseca ao processo de trabalho e busca cobrir os riscos da incapacidade de trabalhar assegurando as mínimas condições de vida para a classe trabalhadora. No entanto, nem sempre foi assim. Desde o advento do capitalismo, sempre há uma parcela da força de trabalho que é excluída e que não encontra ocupação, o que resulta em uma grande vulnerabilidade, marginalização social e pobreza. Nas últimas décadas do século XVIII, esse processo característico do capitalismo gerou pauperização massiva da população trabalhadora. Assim, as entidades filantrópicas, religiosas e o Estado, diante ameaça de desordem social, se viram responsáveis por aqueles que estavam em condições precárias de sobrevivência. Mesmo os trabalhadores que detinham empregos não tinham garantias como assistência médica, aposentadoria e pensões, e estavam sujeitos a multas e castigos. Por meio de pressões dos trabalhadores, o Estado teve que ampliar suas funções para articular garantias econômicas e sociais em torno das relações de produção e possibilitar a manutenção das condições gerais da acumulação capitalista. Essas pressões impulsionaram medidas de política social em direção ao seguro social, passou-se de ações voluntárias por meio de associações para medidas obrigatórias. As primeiras iniciativas de proteção social públicas foram adotadas na Alemanha sob o governo do chanceler Otto von Bismarck, em 1871. Esse programa abrangia pensões por idade, invalidez e morte, assistência médica para doenças e maternidade, seguro para acidentes de trabalho e subsequentemente, seguro-desemprego. A legislação social implementada durante esse governo teve um impacto significativo, neutralizando as críticas da social-democracia naquele período. Como as consequências das Guerras, em termos de desorganização econômica, social e política, os governantes se viram obrigados a assumirem novas responsabilidades para com o bem-estar de suas populações. Surge assim, em 1942, na Inglaterra, foi formulado o Plano Beverage, dando origem ao sistema beveridgiano, alinhado com as ideias do Estado de Bem-Estar Social. Nesse sistema, os direitos têm caráter universal, destinados a todos os cidadãos incondicionalmente ou submetidos a condições de recursos, mas garantindo, a todos, mínimas condições sociais. O conceito de seguridade social surgi meio a sensação de novo mundo, contrapondo-se à ideia restrita do seguro social. Este último alcança apenas os segurados contribuintes, na proporção de suas contribuições, enquanto o conceito de seguridade social evoluiu para a universalização dos direitos sociais, tornando-os um dever do Estado para com todos os cidadãos. A seguridade tem uma natureza pública e universal, enquanto o seguro é individual e seletivo. A lógica do seguro trata-se de uma tendência liberal-individualizante, onde a cobertura é dada a quem contribui, isto é, restringe-se a uma determinada corporação ou segmento de contribuintes ou trabalhadores, ou simplesmente individualizada por contas capitalizadas. Ao passo que, a lógica social universal e integral inerente a seguridade social, tem-se uma tendência mais social-coletivizante, onde todos têm acesso incondicionalmente ou a partir de determinadas contribuições, mas garantindo aos que não contribuem os mínimos sociais em condições de necessidade (VIANNA, 1998). No final da década de 1970, o Estado de Bem-Estar entra em crise devido diversos acontecimentos da época e surgi em resposta o liberalismo trajado de neoliberalismo. Este entende o bem-estar humano a partir da promoção da liberdade, retomando o conceito e ideias do liberal-individualizante. Por tanto, houve um movimento de privatização do sistema de proteção social. Diante das transformações nas relações entre Estado, mercado e sociedade, surgem novos desenhos de políticas sociais devido a flexibilização do mercado de trabalho e, posteriormente, dominância financeira. O Estado passa a atuar na margem, por meio de condições impostas aos cidadãos, há maior incentivo à inserção precária no mercado de trabalho. O compromisso do Estado diante desse cenário neoliberal é combater à pobreza no lugar de proteger socialmente a classe trabalhadora; sendo os mínimos esforços voltados a menores níveis de pobreza sendo estimulados por acesso a microcrédito e não sob expansão de direito, mas sob acesso a bens financeiros. O acesso ao crédito e aos produtos financeiros passam a garantir consumo e proteção segmentada de acordo com a renda – fortalecendo os riscos individualizados e a concepção liberal-individualizante. Portanto, nesse novo formato de proteção social, o papel do Estado é claramente redefinido, pois ao invés de provedor do bem-estar, cabe-lhe agora ser fiador da garantia de renda que suaviza a pobreza e dá acesso ao sistema financeiro, o Estado fiador da dívida. O Estado passa ser garantidor de renda monetária proveniente do setor financeiro, o crédito. Este torna-se a garantia do direito ao bem-estar, que evidencia a ferramenta de endividamento das famílias. Assim, a cidadania perde foco em prol do consumo (LAVINAS, 2017).

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Publicado

2024-01-04

Edição

Seção

ST 8 - Proteção Social e desigualdades: paradoxos e desafios