A previdência social brasileira entre a seguridade e o seguro financeiro
Palavras-chave:
previdência social, seguridade social, seguro social, financeirizaçãoResumo
Este artigo tem como objetivo analisar as transformações ocorridas nas políticas de segurança social, com particular ênfase em um dos seus principais pilares - a Previdência Social. Além disso, traz a luz a reflexão sobre o processo de inversão de entre seguridade e seguro social perante o contexto de crescente dominação financeira. Para tanto, foi realizado estudo bibliográfico e histórico que busca resgatar a composição da seguridade até o momento recente de mudança de pilares da sociedade. Assim, chegou-se as seguintes concepções e resultados: a política de previdência social é intrínseca ao processo de trabalho e busca cobrir os riscos da incapacidade de trabalhar assegurando as mínimas condições de vida para a classe trabalhadora. No entanto, nem sempre foi assim. Desde o advento do capitalismo, sempre há uma parcela da força de trabalho que é excluída e que não encontra ocupação, o que resulta em uma grande vulnerabilidade, marginalização social e pobreza. Nas últimas décadas do século XVIII, esse processo característico do capitalismo gerou pauperização massiva da população trabalhadora. Assim, as entidades filantrópicas, religiosas e o Estado, diante ameaça de desordem social, se viram responsáveis por aqueles que estavam em condições precárias de sobrevivência. Mesmo os trabalhadores que detinham empregos não tinham garantias como assistência médica, aposentadoria e pensões, e estavam sujeitos a multas e castigos. Por meio de pressões dos trabalhadores, o Estado teve que ampliar suas funções para articular garantias econômicas e sociais em torno das relações de produção e possibilitar a manutenção das condições gerais da acumulação capitalista. Essas pressões impulsionaram medidas de política social em direção ao seguro social, passou-se de ações voluntárias por meio de associações para medidas obrigatórias. As primeiras iniciativas de proteção social públicas foram adotadas na Alemanha sob o governo do chanceler Otto von Bismarck, em 1871. Esse programa abrangia pensões por idade, invalidez e morte, assistência médica para doenças e maternidade, seguro para acidentes de trabalho e subsequentemente, seguro-desemprego. A legislação social implementada durante esse governo teve um impacto significativo, neutralizando as críticas da social-democracia naquele período. Como as consequências das Guerras, em termos de desorganização econômica, social e política, os governantes se viram obrigados a assumirem novas responsabilidades para com o bem-estar de suas populações. Surge assim, em 1942, na Inglaterra, foi formulado o Plano Beverage, dando origem ao sistema beveridgiano, alinhado com as ideias do Estado de Bem-Estar Social. Nesse sistema, os direitos têm caráter universal, destinados a todos os cidadãos incondicionalmente ou submetidos a condições de recursos, mas garantindo, a todos, mínimas condições sociais. O conceito de seguridade social surgi meio a sensação de novo mundo, contrapondo-se à ideia restrita do seguro social. Este último alcança apenas os segurados contribuintes, na proporção de suas contribuições, enquanto o conceito de seguridade social evoluiu para a universalização dos direitos sociais, tornando-os um dever do Estado para com todos os cidadãos. A seguridade tem uma natureza pública e universal, enquanto o seguro é individual e seletivo. A lógica do seguro trata-se de uma tendência liberal-individualizante, onde a cobertura é dada a quem contribui, isto é, restringe-se a uma determinada corporação ou segmento de contribuintes ou trabalhadores, ou simplesmente individualizada por contas capitalizadas. Ao passo que, a lógica social universal e integral inerente a seguridade social, tem-se uma tendência mais social-coletivizante, onde todos têm acesso incondicionalmente ou a partir de determinadas contribuições, mas garantindo aos que não contribuem os mínimos sociais em condições de necessidade (VIANNA, 1998). No final da década de 1970, o Estado de Bem-Estar entra em crise devido diversos acontecimentos da época e surgi em resposta o liberalismo trajado de neoliberalismo. Este entende o bem-estar humano a partir da promoção da liberdade, retomando o conceito e ideias do liberal-individualizante. Por tanto, houve um movimento de privatização do sistema de proteção social. Diante das transformações nas relações entre Estado, mercado e sociedade, surgem novos desenhos de políticas sociais devido a flexibilização do mercado de trabalho e, posteriormente, dominância financeira. O Estado passa a atuar na margem, por meio de condições impostas aos cidadãos, há maior incentivo à inserção precária no mercado de trabalho. O compromisso do Estado diante desse cenário neoliberal é combater à pobreza no lugar de proteger socialmente a classe trabalhadora; sendo os mínimos esforços voltados a menores níveis de pobreza sendo estimulados por acesso a microcrédito e não sob expansão de direito, mas sob acesso a bens financeiros. O acesso ao crédito e aos produtos financeiros passam a garantir consumo e proteção segmentada de acordo com a renda – fortalecendo os riscos individualizados e a concepção liberal-individualizante. Portanto, nesse novo formato de proteção social, o papel do Estado é claramente redefinido, pois ao invés de provedor do bem-estar, cabe-lhe agora ser fiador da garantia de renda que suaviza a pobreza e dá acesso ao sistema financeiro, o Estado fiador da dívida. O Estado passa ser garantidor de renda monetária proveniente do setor financeiro, o crédito. Este torna-se a garantia do direito ao bem-estar, que evidencia a ferramenta de endividamento das famílias. Assim, a cidadania perde foco em prol do consumo (LAVINAS, 2017).