REDE SEMPRE VIVA: um caso de gestão social feita à mão por mulheres.

Autores

  • Renata Lopes de Amorim Silva UFBA
  • Renata Nascimento Souza de Jesus

Resumo

Resumo simples: O presente artigo pretende analisar a experiência de incubação da Rede Sempre Viva identificando-a como um caso de inovação e de co-participação entre sociedade civil e gestão pública. Temos como objetivo identificar a Rede como um exemplo de gestão social feita por mulheres por apresentar na sua dinâmica auto-organizativa a descentralização na tomada de decisão coletiva, exercitar a autoridade compartilhada, garantir que a participação seja inegociável, organizar-se de maneira autônoma, à revelia do Estado e do mercado. Adotamos como estratégia metodológica uma abordagem qualitativa e de natureza descritivo-analítca, cujos procedimentos realizados foram: análise documental; revisão da literatura e observação participante.



Resumo expandido:

Neste artigo, pretendemos analisar a experiência de incubação da Rede Sempre Viva (RSV) pelos Centros Públicos de Economia Solidária (Cesol) como um caso de  inovação e de co-produção entre sociedade civil e gestão pública, que se iniciou 2021, durante a pandemia do COVID-19, bem como abordar os processos de gestão social presente nas redes de economia solidária. A RSV é uma rede autogestionada de produtoras de biocosméticos, formada por empreendimentos da economia solidária geridos majoritariamente por mulheres, que se articulam em diferentes territórios no estado da Bahia para comercializar coletivamente.

Adotamos como estratégia metodológica uma abordagem qualitativa e de natureza descritivo-analítca, cujos procedimentos realizados foram: análise documental; revisão da literatura e observação participante. Esta abordagem possibilitou o reconhecimento dos potenciais e limites da participação nos espaços das políticas públicas. 

Os Cesol, principais equipamentos de efetivação da política pública de economia solidária do estado da Bahia, estão distribuídos em 15 territórios. A incubação da RSV aconteceu junto aos Empreendimentos da Economia Solidária (EES) atendidos com a participação de 3 Cesol’s e distribuídas em quatro territórios do estado: Salvador, Região Metropolitana, Litoral Sul, Sertão Sisal (UCKONN, 2022). As redes de economia solidária apresentam dinâmicas que se aproximam dos conceitos trabalhos no campo da gestão social por comungarem de alguns dos mesmos princípios: descentralização e tomada de decisão coletiva, autoridade compartilhada, participação inegociável, se organizar de maneira autônoma à revelia do Estado e do mercado, como afirmam Tenório & Araújo (2020).

A incubação da RSV ocorreu em 2021 no cenário da pandemia do covid-19, durante um ano, reuniam-se os empreendimentos de biocosméticos com representantes dos centros públicos para tecer os processos de construção coletiva de criação da rede com  ênfase aos princípios da economia solidária e participação ativa das produtoras em todas as etapas. Com a comercialização restringida em função da pandemia, foram necessárias novas articulações que desencadearam estratégias inovadoras de comercialização para os empreendimentos de biocosméticos atendidos pelos centros públicos. A rede formada pelos EES de biocosmética surge, a princípio, como uma  rede de comercialização coletiva. 

Garantir a autonomia das organizações da sociedade civil, nesse caso, empreendimentos que estabelecem relações com instituições públicas, é uma compreensão em disputa pelas partes envolvidas.  A participação ativa de um equipamento do governo na incubação de uma rede autônoma não foi uma ação consensuada entre os centros públicos pois, as gestões desses equipamentos são diversas. Há gestões mais participativas, que compreendem a importância da autonomia dos empreendimentos na tomada de decisão das suas próprias demandas e necessidades através dos mecanismos de auto-organização, e outras menos participativas que desejavam fazer desta articulação uma rede gerida pelos próprios centros públicos (FRANÇA FILHO, 2008). Após a incubação, na correlação de forças, a rede garantiu uma organização autônoma, contando como parceiros importantes os Cesol’s.

Destaca-se o fato  que dos oito EES que participaram desse momento constitutivo da rede, quase a totalidade eram geridos por mulheres, contando apenas com um homem. Não foi um pré-requisito que a rede fosse exclusivamente formada por mulheres, isso é o reflexo de uma das principais características dos empreendimentos de biocosmética artesanal, que em sua maioria são empreendimentos gestionados por mulheres. As redes são percebidas hoje como possibilidade organizacional que podem agregar aspectos políticos, econômicos, culturais, ambientais, identitários que consegue integrar a diversidade das partes componentes sem que se diluam as mesmas, conservando a independência e autonomia de cada ente, que se agrupam e organizam em prol de valores e objetivos comuns através de dinâmicas colaborativas. Nesta estrutura organizacional manter as particularidades culturais e identitárias das partes é o que potencializa as trocas e fluxo entre os entes da rede (MANCE,2003). As características de dinamicidade,  flexibilidade, descentralização e democracia permitem, por princípio e na sua base, o exercício da autodeterminação e da autonomia (MANCE, 2003).

A Rede sempre viva se organiza em escala estadual, a partir do reconhecimento das necessidades comuns e elaboração de estratégias de encaminhamentos destas com a contanto com parceiros como a universidade federal da Bahia e os Cesol’s. Assim, à muitas mãos, constituíam-se os laços de colaboração entre diferentes atores, os vínculos de amizade e afeto, construía-se novos canais de atuação da rede que passou a mirar no horizonte para além da comercialização, criando outros braços coletivos e partilhados como as formações internas e atuação conjunta aos movimentos sociais (MST e Teia dos Povos), sendo parte das produtoras integrantes destes movimentos. Em reuniões mensais, estimula-se a participação direta e presencial que ocorre na modalidade híbrida (presencial e online), para garantir a presença das participantes dos diferentes territórios da Bahia que encontrarem dificuldade para realizar o deslocamento. 

As redes de economia solidária se apresentam como configurações com alto potencial de exercício e processos de gestão social por comungarem de alguns dos mesmos princípios, elencamos os principais aspectos trazidos pelo campo da gestão social para analisar o nosso estudo de caso, como a tomada de decisão coletiva, participação, transparência, autonomia e colaboração (FRANÇA FILHO, 2008; TENÓRIO & ARAUJO, 2020; CANÇADO, 2014.). Verificamos que a prática da Rede Sempre Viva é um exemplo de gestão social feita por mulheres por apresentar na sua dinâmica auto-organizativa a descentralização na tomada de decisão coletiva, exercitar a autoridade compartilhada, garantir que a participação seja inegociável, organizar-se de maneira autônoma, à revelia do Estado e do mercado, como defendido por França Filho (2008); estar “voltada para mudanças e inovação dos padrões vigentes” como afirma Cançado (2014). Portanto, a Rede sempre viva apresenta “uma nova configuração do padrão das relações entre o Estado e a sociedade como forma de enfrentamento” atribuídas ao construto de gestão social (FRANÇA FILHO, 2008).



Referências


CANÇADO, Airton Cardoso. Gestão Social. In: BOULLOSA, Rosana de Freitas (org). Dicionário para a formação em gestão social. Salvador: CIAGS/UFBA, 2014. p. 80-84

FRANÇA FILHO, G. C. Definindo a gestão social. In: SILVA JÚNIOR, J. T. et al. (Orgs.). Gestão social: práticas em debate, teorias em construção. Fortaleza: Imprensa Universitária, 2008. v. 1, p. 26-37.

MANCE, Euclides André. Redes de colaboração solidária. In CATTANI, Anotonio D. (org). A outra economia. Porto Alegre. Veraz Editores, 2003.

TENÓRIO, F. G., & ARAUJO, E. T. de. (2020). Mais uma vez o conceito de gestão social. Cadernos EBAPE.BR, 18(4), 891–905.

UCKONN, K. Espaços de Comercialização da Economia Solidária: Uma Via de Sustentabilidade e Ampliação da Participação Popular. (Dissertação) Mestrado em Gestão Social e Desenvolvimento Territorial da Universidade Federal da Bahia. 141 f. Salvador, BA, 2022.

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Publicado

2024-01-04

Edição

Seção

ST 11 - Participação Social e Ação Pública: perspectivas para o fortalecimento da democracia e da gestão pública