“Vão tirar a barraca para depois pensar na população de rua?”: desafios e potencialidades da participação social no Subcomitê de Zeladoria Urbana

Autores

  • Verônica Martines Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama - FDUSP
  • Mariana Prado
  • Ruan de Oliveira

Palavras-chave:

Participação Social, Ação Pública, População em Situação de Rua, Comitê PopRua, Zeladoria Urbana

Resumo

RESUMO SIMPLES:

A presente pesquisa tem como objetivo abordar os desafios e potencialidades da participação social a partir das discussões sobre violações de direitos da população em situação de rua no contexto das ações de limpeza da zeladoria urbana. A abordagem visa observar a dinâmica nos espaços de participação social, especificamente do Subcomitê Permanente de Zeladoria Urbana, atrelado ao Comitê PopRua do município de São Paulo. A participação dos atores estatais e civis será analisada a partir da discussão sobre ação pública e das implicações dos repertórios de conflito e interação no monitoramento das ações de limpeza. Nesse sentido, foi realizado um estudo de caso do tipo descritivo, a partir das atas e documentos oficiais,  mapeados e analisados para a compreensão do fenômeno. Os resultados preliminares apontam que o Subcomitê tem potencialidades no envolvimento contínuo da interação entre os atores no monitoramento das ações de limpeza, como o encaminhamento de propostas sobre as diretrizes do serviço e a capacitação de funcionários. Contudo, constatou-se  uma desigualdade do poder de agência e de distribuição de recursos, sendo um dos principais desafios da participação social observado.

 

RESUMO EXPANDIDO:

A partir das discussões relacionadas às violações de direitos da população em situação de rua (PSR) pela zeladoria urbana, a presente pesquisa tem como finalidade abordar os desafios e potencialidades da participação social nesse contexto. Nesse sentido, será analisado o Subcomitê Permanente de Zeladoria Urbana, órgão permanente atrelado ao Comitê Intersetorial da Política Municipal para População em Situação de Rua (Comitê PopRua) do município de São Paulo, como um dos espaços que demonstra, a partir das discussões e problemáticas, tais desafios e potencialidades dos processos de ação pública.

O serviço de zeladoria urbana tem como finalidade a limpeza do espaço urbano. Administrado pela Secretaria Municipal de Subprefeituras de São Paulo (SMSUB), suas ações visam mitigar o descarte irregular de resíduos e articular frentes de atuação com essa finalidade, como podas e varrições (RIBAS, 2019). Porém, o encontro do serviço de limpeza com a poprua nas calçadas, praças e marquises é marcado por diversos conflitos, que envolvem retiradas irregulares de pertences e abordagens truculentas (RIBAS, 2019).

A discussão sobre zeladoria urbana, enquanto potencial violador de direitos da poprua, abrange o debate proposto por Bichir & Canato (2019) sobre problemas complexos, ou seja, fenômenos que envolvem múltiplas dimensões e determinantes com implicações diversas. A dificuldade de alternativas de acolhimento e habitação, a existência de vínculos fragilizados, a complexidade do uso de drogas e sua estigmatização são alguns dos fatores que marcam as vivências nas ruas e as tensões com o serviço de limpeza. Destaca-se que a presença da Guarda Civil Metropolitana e da Polícia Militar em tais ações reduzem as possibilidades de cuidado e diálogo, acentuando os conflitos.

Nesse contexto, o Subcomitê Permanente de Zeladoria Urbana, estabelecido pela lei nº 17.252/2019, órgão esse vinculado ao Comitê Intersetorial da Política Municipal para População em Situação de Rua, foi instituído com a finalidade de fiscalizar, monitorar e mediar os procedimentos e execução das normativas que regulam as ações de limpeza. Composto paritariamente por sociedade civil e Estado, o Comitê PopRua – incluso o seu Subcomitê – é um espaço diferente de interação entre Estado e PSR, por ser arena para discussão sobre as políticas públicas para essa população. 

Com base na concepção teórica de Ação Pública, forma de abordar os modos de interação entre atores sociais, processos de construção de diálogo, resolução de conflitos e articulações de interesses múltiplos (HALPERN et. al. 2014; LASCOUMES & LE GALÈS, 2013), observa-se a relevância de espaços de diálogo contínuos entre os atores. Ainda, tendo como referência a interação entre Estado e sociedade na produção da capacidade de ação estatal e civil (MAGALHAES; ORNELLAS; BRASIL, 2021), observa-se que o Comitê PopRua tem a potencialidade de aumentar a capacidade da sociedade civil de influenciar na ação pública ao promover um espaço de interação contínua entre a poprua, entidades da sociedade civil e secretarias municipais. 

Nisso, parte da defesa da criação de espaços participativos tem como objetivo o aprofundamento democrático, a partir da consolidação de espaços de participação social, que possam descentralizar o poder de decisão sobre as políticas públicas (TATAGIBA, 2002). Porém, observa-se que muitos conselhos participativos não alteram o fluxo tradicional de decisão sobre as políticas (Ibid, 2002), podendo ser observados desafios para esse objetivo. 

No caso analisado, nota-se que as estruturas relacionais, que localizam os recursos e poderes de agência entre os diferentes atores estatais e não estatais sobre a política pública (ABERS & TATAGIBA, 2018), trazem grande desigualdade entre os atores, o que dificulta o processo de participação social no tema de zeladoria urbana e no Comitê PopRua. Por exemplo, apesar de suas atribuições com relação ao monitoramento das políticas, controle social e definição de diretrizes para atendimento da PSR, o Comitê PopRua raramente tem suas decisões incorporadas na política municipal. Além disso, apesar da composição paritária, o Comitê PopRua também reproduz desigualdades nas relações internas, como na concentração da coordenação apenas no poder público, que controla o tempo de fala dos participantes, afetando as dinâmicas internas da participação social.  

No tema da zeladoria urbana, também é possível observar desafios com relação às dinâmicas de comunicação entre a poprua e os diferentes setores municipais. Destaca-se que o Comitê PopRua é coordenado pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), que, entre outras funções, têm o papel de ouvidoria e realiza o encaminhamento de denúncias de violações de direitos da PSR nas ações de zeladoria, possuindo relação mais próxima e de escuta com os representantes da poprua no espaço participativo. Por outro lado, a atribuição para a execução da zeladoria urbana está vinculada à Secretaria Municipal de Subprefeituras (SMSUB) e às subprefeituras, que, em muitos momentos, apresentaram menor permeabilidade de diálogo com as demandas e denúncias da PSR. 

Nesse contexto, a pesquisa terá como referencial teórico discussões sobre espaços participativos e população em situação de rua. Em termos metodológicos, buscará realizar um estudo de caso (YIN, 2015) do Subcomitê de Zeladoria Urbana, observando os desafios e potencialidades da participação social no tema a partir da descrição e análise de suas dinâmicas internas. Isso será realizado a partir da participação dos autores nas reuniões do Comitê PopRua e Subcomitê Zeladoria Urbana como representantes da Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama (CDHLG), extensão universitária da FDUSP eleita como conselheira. Complementarmente, a pesquisa realizará a leitura e análise das atas do subcomitê e demais documentos oficiais sobre o tema: esses insumos visam construir percepções sobre o repertório de conflitos e interações (LAVALLE et al, 2019) que expressam desafios e potencialidades do subcomitê no acompanhamento do serviço de limpeza. 

Como resultados preliminares, notou-se que a participação social no Subcomitê Zeladoria Urbana tem potencialidade de influenciar na ação estatal por envolver interação contínua entre a gestão governamental e sociedade civil para a discussão do monitoramento das ações, propostas de diretrizes para o serviço, bem como para a construção de outras propostas, como a formação para funcionários da zeladoria urbana. Todavia, foi possível notar que as dinâmicas sociais e estruturais consolidam uma desigual distribuição de recursos e poder de agência sobre o tema entre os diferentes atores, sendo um desafio para a participação social observada.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ABERS, Rebecca Neaera; SILVA, Marcelo Kunrath; TATAGIBA, Luciana. Movimentos sociais e políticas públicas: repensando atores e oportunidades políticas. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, p. 15-46, 2018.

BICHIR, R. M.; CANATO, Pâmella. Solucionando problemas complexos? Desafios da implementação de políticas intersetoriais. Implementando desigualdades: reprodução de desigualdades na implementação de políticas públicas, p. 243-266, 2019.

HALPERN, Charlotte et al. L’instrumentation de l’action publique. Controverses, résistance, effets, Paris, Presses de Sciences Po, 2014.

LASCOUMES, Pierre; LE GALÈS, Patrick. A ação pública abordada pelos seus instrumentos. 2012

LAVALLE, Adrian Gurza et al. Movimentos sociais, institucionalização e domínios de agência. Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição, p. 21-88, 2019.

MAGALHAES, B. D.; ORNELLAS, G. M.; BRASIL, F.P.D. Desconstruções e Resistências Democráticas: o caso da instituição legal do sistema nacional de participação social. In: Leonardo Avritzer; Priscila Delgado de Carvalho. (Org.). Crises na Democracia: Legitimidade, participação e inclusão. 1ed.Belo Horizonte: Arraes Editora, 2021, v. p. 57-88.

RIBAS, Luciana Marin. A pessoa em situação de rua como sujeito de direito: elementos críticos de uma política pública. 2019. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo.

TATAGIBA, Luciana. Conselhos gestores de políticas públicas e democracia participativa: aprofundando o debate. 2005.

YIN, Robert K. Estudo de Caso-: Planejamento e métodos. Bookman editora, 2015.

 

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Publicado

2024-01-04

Edição

Seção

ST 11 - Participação Social e Ação Pública: perspectivas para o fortalecimento da democracia e da gestão pública